A
historia se passa na cidade de São Paulo e tem como protagonista um
liquidificador cuja voz é narrada por Selton Mello. Quase todo o cenário é em
uma cozinha. Com uma rotina banal, sem fortes emoções. Convivem muito bem,
apesar dos problemas financeiros. A dona de casa e taxidermista nas horas
vagas, Elvira é interpretada brilhantemente por Ana Lucia Torres. Onofre é
vigia noturno. A narrativa muito bem ordenada começa com um delito já consumado
correndo em dois tempos. No passado, mostram os eventos que levam ao homicídio.
No presente, se incidem os inquéritos. O
liquidificador interpretado cinicamente por Selton torna-se cúmplice,
participando de maneira terminante em tal crime, ao menos na ocultação.
Elvira
começa a se sentir perseguida após a comunicação que o liquidificador
desenvolve apenas com ela. Ela começou a desconfiar de sua própria sanidade
mental. O liquidificador tem uma visão quase infantil do mundo. Suas conversas
sempre tem perguntas básicas, e Elvira o responde tediosamente como se
dirigisse a uma criança curiosa. O
ambiente fechado da cozinha se torna uma arena de um mistério que a levará a
ser suspeita do desaparecimento do seu marido. O liquidificador é a base para a
trama se desenrolar, o que promove um clima sombrio de humor sarcástico. O
argumento mais forte da comunicação do liquidificador é de cunho e perguntas
filosóficas e do existencialismo, traçando um paralelo entre a máquina e o
homem.
O
filme tem uma linha de tempo bastante particular, pois não é linear, com idas e
vindas minuciosamente organizadas. Alguns episódios foram postos em flashback o
que permite enxergar um pouco do mistério que levou Onofre a desaparecer. Os
sons e imagens são perfeitamente montados aproveitando com muita competência o
panorama com seus objetos. O casal Elvira e Onofre de terceira idade moram em
um casebre em meio a selva de pedra de Sampa.
Mesmo
que não tenha sido proposital, a história faz uma certa apologia à impunidade,
pois apesar de saber-se quem morreu, quem matou, qual a motivação e o cúmplice,
as cenas deixam no ar uma impressão de mesquinhez na solução do conflito. O
liquidificador personagem protagonista estaria envolvido no crime pela
ocultação e omissão.
A
principal impressão que o filme passa é que na atualidade com tantas invenções
e máquinas criadas pelo homem, insurgiu a humanização das maquinas ou mesmo a
robotização dos homens. O Liquidificador passa a ser metáfora do pensamento,
como moedor de idéias e signos. Mostra e reflete a posição do homem moderno em
sua construção de mundo. A possível solidão que enfrentamos na atualidade, o
que nos induz a buscar formas inusitadas de relacionamentos.
A relação entre homens e máquinas está cada
vez mais íntima, mas com suas possíveis conseqüências. Vivemos mais sozinhos em
meio à vastidão de pessoas. Preferimos estar próximos de uma máquina para
evitar as complexidades emocionais e sentimentais que todos os seres vivos têm.
Tal solidão reflete a necessidade que a dona de casa tinha de se comunicar
buscando alternativas impossíveis, mas que no filme se faz real.
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