Pedro Samuel de Moura Torres
Desde
seus seis anos de idade, Moema sonhava sempre com um garoto de aspecto
caucasiano e familiar em seus trejeitos. Era a quarta e filha caçula do cacique
da tribo, Apurinâ. Localizavam-se ao norte do rio Amazonas. Conhecidos como uma
das tribos mais arredias e isoladas da civilização moderna. Contato com o
“homem branco” era apenas relatado e consolidado em estórias e lendas. Em seus
encontros, ao redor da fogueira; a avó de Moema registrava fábulas misteriosas
e fascinantes. Muitas dessas estórias eram sobre possíveis visitas de seres
estranhos, vindos de inexploráveis e desconhecidos mundos. Moema, uma curumim
muito esperta e curiosa, se interessava e se deslumbrava por aqueles contos.
Tentava materializar em sua imaginação um possível mundo desconhecido.
Um
dia, num ritual aborígene de pajelança, num tom leve e contemplador, Moema
relata a sua amiga mais íntima, Iracema.
-
Hoje, tive um sonho...
-
Hum! Que legal! Todavia, o difícil é saber quando é que você não está sonhando!
Caçoa
Iracema.
-
Dessa vez pareceu algo mais sério...Hum...Talvez mais nítido. Reconheço ser uma
grande sonhadora, e que a presença de alguém persiste em todos eles. Mas nunca
sonhei com tanta intensidade.
-
É com o garoto de sempre? Um que você disse ser estranho. Um que é parecido com
os mitos que a sua avó conta?
-
Sim!...Exatamente o mesmo. E eu acho que sonho com o tal do “homem branco”,
como conta a minha avó.
-
Hum! Será? ... Bem!... Então como pode sonhar com alguém que você nunca viu em
toda a sua existência?
-
É...Boa pergunta!... Não tenho nenhuma resposta lógica. Mas havendo todo o
legado místico da nossa tribo, podemos encontrá-la.
-
Possivelmente. Mas poderia descrever com detalhes esse sonho? Você estava
também no sonho ou você foi apenas observadora?
Moema
conseguira despertar a atenção e interesse de sua amiga. Tomada por um estado
de introspecção absorta, Moema, pensativa e confusa, se despista do diálogo.
Seu pai, o cacique, ao perceber a desconcentração e dispersão da filha, julgou
estar acontecendo alguma mudança natural. Afinal de contas, Moema não era mais
uma criança. “Considerando que seu matrimônio havia sido premeditado desde o
seu nascimento, Moema poderia estar refletindo a respeito.” Pensou o cacique.
Retomando
o assunto. Moema responde:
-
Bem lá no cume da floresta, ao norte do Rio, entre tantas belezas de faunas
inumeráveis, eu estava a observar as onças que caçavam; quando subitamente, eu
o vi.
-
Então...? Como ele era? O que fazia? Continue!
-
Estava trajado com uma vestimenta estranha, nunca havia visto! Com um objeto
diferente em sua cabeça. Possuía cabelos como a luz do Rei Sol, os olhos como a
imensidão do céu. Sua pele brilhava ao toque do Rei, ofuscando minha visão.
-
Nossa! Quanta emoção! Até me arrepiei! Realmente a descrição feita é similar as
estórias. A resposta mais coerente é que você provavelmente, dada tão aos
devaneios e fantasias, você foi quem conseguiu ir mais além. Você viu e
imaginou o homem branco tal como se conta.
Terminado
o ritual. O cacique Apuã dirigiu-se a filha e lhe questionou.
-
Moema! O que te aconteceu? Você e sua amiga não prestavam atenção ao ritual.
Vocês têm que observar e participar para aprender a aplicar os métodos
curativos.
-
Pai, Estava relatando o sonho que tive com o homem branco.
Carregado
com ar irônico, seu pai rejeita seu sonho.
-
Que homem branco que nada! Você nem sabe se eles existem de verdade.
Moema
com uma nuance mais alterada e voz firme, contesta:
-
Mas a vovó diz que sim. E o vi justamente como ela disse. Posso consultar o
pajé para saber se existe alguma explicação para esses sonhos?
Apuã
com a voz autoritária e conclusiva finaliza:
-
Já disse que não! Isso pode ser perigoso. Não podemos consultar os espíritos
pra coisas infantis e inúteis.
A
indiazinha pôs-se a chorar. Lamentava a rudeza e frieza com que seu pai havia
tratado a sua intimidade e o seu mistério.
Num
dado dia, quando Moema já avançava aos quinze anos, sendo prometida ao filho do
Pajé, em fase de conhecimento íntimo com seu atual noivo, lhe convenceu de que
precisava de uma consulta com o seu pai. Moema dirigiu-se a opy (tenda de rezas
e de rituais sagrados), conduziu-se ao pajé e lhe pediu que perguntasse aos
espíritos quem seria a pessoa que sondava sempre seus sonhos. O pajé relutou, a
princípio, mas acabou cedendo. No ritual em que se invocavam espíritos, o pajé
aparentemente inconsciente, transfigurou-se, olhou pra a índia e disse:
-
Aquele pássaro de luz transparente que vistes e vês em tuas quimeras... é a tua
alma gêmea. A reencarnação passada do seu noivo atual.
Moema
indaga:
-
Mas por que além dos dois serem tão distintos fisicamente, eu não senti nada
tão deleitoso com o meu noivo atual como eu senti com aquele do meu sonho?
O
pajé, esperto que era, não quis descasar seu pobre filho e condená-lo a
humilhação de ser rejeitado pela esposa. Desviou a verdade, aquela que os
espíritos lhe havia de fato revelado.
Entretanto,
Moema não desistiu, permaneceu fiel ao seu coração.
-
Hei! Bela jovem! Que fazes aqui a estas horas?
Moema,
tímida e esquiva, se afastou abruptamente e não entendia o seu falar, contudo
compreendeu-o com a linguagem da alma. Ao levantar as pálpebras, deparou-se com
o rapaz dos seus sonhos. Amor a primeira vista. Entreolharam-se, com faíscas
estrelares que cintilavam dos seus olhos. Conceberam-se íntimos. Era o filho de
um colonizador daquelas terras, território ainda virgem, mas que com tantos
mistérios e belezas idílicas inspiravam e irradiavam amor, romance e tudo que
se refere ao paradisíaco e extraordinário.
Apesar
de todos os problemas que tiveram de enfrentar; o casal original consolidou o
amor, não apenas em seus sentimentos, mas na vida a dois. Fugiram, atravessaram
o mar, casaram-se e formaram uma bela família.
Pedro Samuel de Moura Torres
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