A
ARTE DO TEATRO
As conquistas
e desenvolvimentos humanos se realizam a partir da sua experiência real, do seu
contato mais intimo com a realidade que se deseja apreender. Aprendemos com a
convivência, através da dialética entre o interno e o externo, errando e
acertando na tentativa sempre de ir mais além da nossa presente consciência. Ou
seja, existe uma dinâmica subjetiva entre o que o externo transmite e em como o
interno (pessoa) absorve e entende o ambiente através do seu filtro altamente
pessoal.
Assim, não é
diferente na arte de atuar, é necessário que o indivíduo, que realmente deseja
ser um ator, se lance ao imprevisto, tenha a coragem de expor-se no palco
“artificial”, pois só improvisando é que ele adquire azas para tal oficio, trazendo
consigo, seus inerentes aspectos naturais relacionados à suas experiências de
vida, a sua visão de mundo, e desse modo, o ator funciona como um veículo
transmissor de realidades, emoções e ideologias de vida comum a todos.
Portanto, a
arte teatral, além de ser entretenimento de apreciação estética, é uma
atividade puramente humana que, ainda que seja de forma artificial, serve de
transporte social que revela, ressalta e demonstra as experiências humanas, construindo
conhecimentos particulares ao homem, enriquecendo mais a sua visão de mundo,
partindo do fragmentário ao holístico e desse modo humanizando todos os
aspectos existentes em nossa vida.
Toda cena traz
uma historia, um contexto e com eles, todas suas realidades, todas suas
intrínsecas ideologias, suas visões de mundo, seus conceitos e valores, seus
eventos e enredos. Tantos elementos da vida real sendo traduzidos para um
ambiente artificial, como o é o espetáculo teatral, nele depara-se com o desafio
de expressar em cenas separadas, todas as ações fragmentadas do espetáculo real
da vida.
“a construção de uma cena pressupõe a
existência de uma história, isto é, de uma narrativa dividida em partes. Essas
partes são etapas em que se subdivide a ação- ou as ações- de uma cena. Assim
sendo, as ações, os acontecimentos que ocorrem ou que ocorreram ao longo do
tempo são importantes para a compreensão do que se passa em cena. Isso porque a
ação se desenvolve numa progressão de causa e efeito, que motiva ou justifica
uma determinada situação, ou melhor, uma cena. Mas nada acontece sem a
existência dos personagens. São eles que atuam para concretização dos
pensamentos e dos sentimentos de uma época, de um determinado momento
histórico. Esses personagens são cuidadosamente trabalhados e ensaiados pela
figura do diretor, que, como elemento harmonizador do processo de criação,
procura concretizar a cena” (BIASOLI, 1999, PG. 46)
UMA
APRECIAÇÃO ESTÉTICA DA PEÇA “LENDA DAS YABÁS”
O espetáculo “Lenda das Yabás” está em cartaz no Centro Cultural
Ensaio, no bairro do Garcia, até o dia 30 de Janeiro, aos sábados e domingos,
às 20h. A peça teatral em estudo conta a história da lenda das Yabás,
apresentando também outros Orixás como Yemanjá, Exu, Xangô, Ogun, Omolu e
Oxalá.
Com texto e direção de Fábio S. Tavares, encenação conta,
ainda, com a exposição ‘Bahia Minha Preta‘, que traz objetos de personalidades
baianas como os turbantes de negra Jhô, esculturas artesanais, exibição de fotos e
filmes, quadros sobre o processo de ensaios e
laboratórios da peça, objetivando homenagear a cultura Afro da Bahia e suas raízes.
Tais elementos também
permitem que o público acompanhe o processo de feitura teatral, questão muito
interessante para a compreensão de como o espetáculo foi concebido. De acordo com a enciclopédia livre
Wikipédia, Iabá, Yabá ou Iyabá, cujo termo quer dizer Mãe Rainha,
refere-se aos orixás femininos, Yemanjá e Oxum. Vale lembrar que no Brasil esse
termo é utilizado para definir todos os orixás femininos em geral, substituindo
o termo Obirinxá (orixá feminino).
O enredo aborda a história da ancestralidade da
cultura afro-brasileira, bebendo da sua fonte mais pura ao se utilizar das
lendas de 04 (quatro) Yabás: Yansã, Obá, Ewá, Nanã e Oxum. Com a intenção de
envolver o público, os atores realizam diálogos intensos e diretos, visando humanizar
as personagens centrais, as divindades da cultura africana, e captar a atenção
absoluta do espectador quase transpondo-os para a encenação.
Outro aspecto
importante para ser destacado diz respeito à musicalidade presente na encenação.
Todo o som é produzido ao vivo pelo elenco em função da expressão dramática.
Voz, atabaques e agogôs, criam um ambiente propício para cada cena, dando leveza
ou peso necessário para a ocasião.
Há de se observar também a forte presença da dança, em
especial a contemporânea, com seus diversos elementos, fundida com o
naturalismo da interpretação, sem perder, contudo, a dinâmica cênica que o
texto reclama. As artes
plásticas também são bem valorizadas na composição do espetáculo, ressalta-se
que cenários e figurinos são artesanais, utilizando-se de galhos de arvores,
folhas secas, adereços elaborados com sementes, entre outros.
Mas a pedra fundamental
é o espetáculo que trás uma historia que se passa num passado e tempo
indefinido e mostra a fúria de um Deus humano que age de acordo com suas
emoções. Revoltado com a destruição e discórdias que os homens vêm causando a
aiê (Terra), Olorum resolve infertilizar todas as mulheres (as Yabás) para
extinguir a raça humana e prender a chuva para que a Terra fique seca- isso é
representado pelos galhos secos e tom pastel que compõem o cenário dando
aspereza a encenação - pois a natureza retrata é a presença concreta do Deus
abstrato. Nanã, que é a mais antiga dos orixás, surge no texto como uma grande
ialorixa e sacerdotisa que conduz os festejos, impostos por Exu, em
agradecimento por este ter conseguido chegar a olorum desvendando os segredos
para que o Deus maior devolvesse a paz a Terra. O espetáculo traz os Orixás em
forma humana e enfatiza que todo ser vivo, por possuir uma parcela divina, é
capaz de se conectar com Deus com bases na energia e ações emitidas a outro ser
e por isso Exu conseguiu chegar a Olorum e descobrir os segredos para trazer a
concórdia a Terra. O mesmo Exu que trará a paz também conduz a ciumenta Oxum,
causando intrigas e discórdias entre as demais Yabás, utilizando da obsessão
que mesma sente pelo amor de Xangô, que por sua vez vive com suas quatro
mulheres no palácio onde se passa toda a historia. (http://lendadasyabas.blogspot.com.br/p/relase.html,
2013)
Vale, ainda, salientar
que toda a história se dá em espaços e tempos nada ou pouco definidos, conforme
consta no release do blog. O público conta apenas com as falas entrelaçadas, os
acontecimentos e o contexto criado pelo cenário e pelas personagens.
Cada uma das Yabás com
seus signos traz em si a representatividade da essência e força feminina que
ganham destaque na encenação que tem um misto de religiosidade popular e
sensualidade profana. Yansã representa a figura da mulher contemporânea e
independente, que age de acordo com a sua intuição e vontade sem se curvar aos
caprichos ou preconceitos de uma sociedade (e por isso é a preferida de Xangô).
Obá representa a evolução feminina em busca da igualdade, sua personalidade vai
da típica dona de casa que se esmera ao máximo para agradar seu marido - sendo
vítima de diversas injustiças - até a descoberta da força que muitas mulheres
trazem dentro de si e desconhecem. A grande lição de Oba vem quando ela dá um
basta na situação que vive e com isso se torna uma grande guerreira. A menina
Ewá, representa o romantismo e inocência feminina. Demonstra sua força na
revolta pela desilusão amorosa que sofre após cair numa das muitas armadilhas
criadas por Exu. Ela é salva da fúria de Yansã por Oxossi que a leva para a
mata e lá descobre essa força e volta para se vingar de Xangô que tentou
seduzi-la. Oxum, sempre orientada por Exu, ao longo da história se utiliza da
sua beleza para seduzir e orquestrar situações com o intuito de afastar as
outras mulheres de Xangô, até que Oxalá vem ao reino para selar a paz e
transformar os homens em orixás. (http://lendadasyabas.blogspot.com.br/p/relase.html,
2013).
Apreciar a referida
encenação remete-nos a compreender melhor o papel criativo do ator e o processo
de releitura de todo o elenco. Interessante se notar que foram lançados
semanalmente nas redes sociais vídeos de curta duração, com imagens do processo
de criação ao longo dos 10 (dez) meses de ensaios. De acordo com a companhia de
teatro, tal ação foi realizada com o intuito de enfatizar, sobretudo, o corpo e
o leque de expressões possíveis em que o ator se realiza na cena: da dança à
pantomima. Na montagem em estudo, percebe-se
que as personagens da
trama nascem do natural e não do realismo (numa interpretação
tipicamente stanislavskiana), buscando também uma técnica que envolve o ator na
sua totalidade: mente, corpo, gesto, palavra, espírito, matéria, interno,
externo (tendo inspiração na obra do teórico Grotowski). Elas são, no entanto,
espelhos do real, mas distorcidos pelo manejar poético do ator e da pulsão do
seu gestual no espaço.
No que
tange à atuação do artista e o uso de técnicas teatrais, Viola Spolin (1982)
ratifica que “o ator realmente sabe que há muitas maneiras de fazer e dizer uma
coisa, as técnicas aparecerão (como deve ser) a partir do seu total.” (SPOLIN,
1982, pg. 13). Acredita que é por meio da consciência direta e dinâmica de uma
experiência no palco que a experimentação e as técnicas são devidamente unidas,
de forma espontânea, libertando o artista para o padrão de comportamento
fluente.
REFERÊNCIAS
Espetáculo Lenda das Yabás. Blog da peça teatral: textos e imagens.
Disponível em: <http://lendadasyabas.blogspot.com.br/>.
Acessado em: 28 de janeiro de 2013.
Wikipédia: a enciclopédia livre. Significado do termo “Yabás”.
Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Yabas.
Acessado em: 28 de janeiro de 2013.
BIASOLI, Carmem Lúcia A. A história constrói a cena. In: A
formação do professor de arte: do ensino à encenação. Campinas: Papirus, 1999.
SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. São Paulo: Perspectiva, 1982.
VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. As ideias estéticas de Marx; tradução
de Carlos Nelson Coutinho. 2ª ed. Rio de Janeiro, Paz e terra, 1978.
(Pensamento crítico, v. 19).
SLADE, Peter. O jogo dramático infantil; (tradução de Tatiana Belinky; direção de
edição de Fanny Abramovich). São Paulo: Summus, 1978. (Novas buscas em
educação, v. 2)
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